WhatsApp

Insira seu número de WhatsApp para confirmar:

Foi lá pelas bandas do Rio Grande, localizado no Rio Grande do Sul, que aconteceu essa grande tragédia que culminou nessa história de mistério e glória.

Ainda na época da escravidão dos negros, vivia ali um fazendeiro muito malvado que buscava impor seu poder justamente sobre aqueles que, no momento, não poderiam revidar.

Um dia, ele trouxe para a fazenda um carregamento de cavalos baios e, embora a noite se fizesse de inverno congelante e de ventos cortantes, encarregou o menino, a quem chamava de Negrinho, de apenas 14 anos, de cuidar dessa manada de cavalos.

No dia seguinte, deu por falta de um cavalo baio. Chamou o Negrinho e o açoitou sem dó nem piedade, ordenando que ele procurasse o cavalo diante de uma ameaça ainda maior de tortura.

O rapaz, sangrando e cheio de dores, foi ao encalço do cavalo perdido. Não o encontrando, voltou para comunicar ao seu algoz, que o açoitou novamente e o amarrou em cima de um formigueiro, deixando-o ali para pernoitar na noite gelada.

No dia seguinte, para sua surpresa, encontrou o Negrinho em pé ao lado do formigueiro, belo, altaneiro, sem nenhuma marca de açoite. Ao seu lado estava o elegante cavalo baio. Assim que o fazendeiro ia dizer algo, reparou que ali também estava a Virgem Maria, bem ao lado do Negrinho.

Espantado e envergonhado, viu o Negrinho beijar a mão da Senhora, montar no cavalo e desaparecer na névoa do inverno.

Talvez o fazendeiro, desse dia em diante, não mais tenha açoitado ninguém; talvez tenha açoitado mais ainda. Afinal, psicopata não aprende nada com as intensidades nem da dor, nem do amor.

Mas uma coisa é certa: para sempre o Negrinho do Pastoreiro se tornou referência para o povo. Quando perde algum objeto, logo sai à procura, repetindo:

“Foi por aqui que perdi, foi por aqui que perdi.”

Falam assim em voz alta para o Negrinho do Pastoreiro ouvir, porque, em breve, o objeto retornará ao seu devido lugar. Sempre funciona, pois, se o Negrinho do Pastoreiro não o encontrar, então nada nem ninguém o encontrará.

Como atestam nossas lendas brasileiras, somos um povo que provém do índio e do negro. Ambos foram explorados, forçados a viver dessa ou daquela forma devido à violência da conquista que lhes foi imposta.

O crescimento do contingente populacional brasileiro é uma multiplicação de seres que não sabem de onde provêm e, por não pertencermos a nada, não temos projeto de futuro, permanecendo vulneráveis ao comando de outros. Nos contentamos em sentir pertencer a uma vida de cotidiano que alimenta a metrópole e que, desde o início, nos explorou e nos explora.

Busquei, aqui nestes momentos de fala sobre as lendas brasileiras, tais como o Saci-Pererê, a Matinta Perera, Curupira, Lobisomem, Acutipupu, Mapinguari, Yara, Cobra Norato e outras não menos importantes, demonstrar que nosso psiquismo está todo ele imerso no contexto do indígena e do negro.

Essas são nossas origens e, até hoje, ainda as negligenciamos. Ainda não as valorizamos e nos comportamos como aqueles que para cá vieram a nos explorar e a nos dominar.

Me parece que estamos vivendo uma identificação com nosso agressor. Trata-se de um mecanismo de defesa psíquico que mobiliza a capacidade de adaptação e de resiliência.

Uma pessoa confrontada com um perigo exterior identifica-se com o agressor, reproduzindo seus comportamentos, imitando-o moralmente ou fisicamente, ou então assumindo por si própria a culpa da agressão.

Penso que é isso que estamos vivendo, posto que nos esquecemos completamente de onde realmente viemos e não estamos fazendo o menor esforço para nos lembrar. Muito pelo contrário, o que parece, com raras exceções, é que estamos tentando o máximo possível nos assemelhar ao fazendeiro malvado que agita seu chicote quando não é obedecido em seus caprichos.

Negrinho do Pastoreiro, foi por aqui que perdemos nossa identidade, foi por aqui que a perdemos! Se você não a encontrar para nós, ninguém mais a encontrará!

Lunardon Vaz
05.12.2020

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *