Certa vez, um padre da paróquia de um distante povoado, se apaixonou pela mais bela
de suas fiéis e ela não resistindo à paixão, se entregou e eles se amaram dentro da
igreja, várias e várias vezes.
Devido a moral cristã, os amantes foram amaldiçoados surgindo assim a lenda da Mula
Sem Cabeça como forma de admoestar e ao mesmo tempo ameaçar aqueles que
voltassem a reproduzir esse amor.
A lenda ganhou muitos nomes como: Burrinha do Padre; Padre-Sem-Cabeça; Mula
Preta; e Marola, no México.
Parece que sua origem remonta o tempo medieval da "caça às bruxas". Os
portugueses trouxeram essa história para o Brasil por volta do século XVI. Há versões
dessa lenda em muitos países tais como Argentina, Espanha, México, etc. Sabe-se que
a versão norte americana do Cavaleiro-Sem-Cabeça, é apontada como uma variação
do mesmo tema.
Sobretudo, ela é oriunda do paganismo latente de algumas práticas populares da
época.
Foi então, adaptada pela sociedade judaico-cristã a fim de moralizar comportamentos
que seriam inaceitáveis pela nova sociedade emergente.
Escolheu-se a mula e não outro animal qualquer por que ela representa o meio de
locomoção de uso exclusivo dos padres do século XII.
A Mula –Sem- Cabeça faz suas aparições nos povoados. Em toda passagem de quinta-
feira para sexta-feira ela escolhe uma encruzilhada e ali se transforma na besta.
Ao voltar a si, a mulher amaldiçoada estará completamente nua, suada e exalando um
forte cheiro de enxofre em alusão ao demônio que quando surge deixa no ar o cheiro
desse elemento químico.
Se acaso alguém passar correndo diante de uma cruz bem a meia-noite, a Mula-Sem-
Cabeça aparece e irá atrás, trotando com seus cascos de prata e mesmo que se diga
que ela não tem cabeça, dá para ouvir o som de seu relinchar e o fogo saindo de suas
ventas. De acordo com aqueles que já a viram, é um espetáculo apavorante.
Na noite em que se transforma, deverá percorrer sete povoados a partir daquele onde
ocorreu o pecado e se de repente, alguém cruzar seu caminho, terá seus olhos, unhas
e dedos devidamente arrancados, por isso, reza a crença do povo, que ao vê-la deve-se
deitar de bruços no chão e esconder bem os olhos, as unhas e os dentes para não ser
atacado.
Quando surgir alguém com muita coragem, o que ainda não aconteceu, e tirar os freios
de ferro de sua boca, o encanto será desfeito e a Mula-Sem-Cabeça voltará a ser gente
totalmente livre da maldição. Grata, ela se casará com seu bem feitor.
A mulher que se apaixonou pelo padre ou o padre que se apaixonou pela mulher,
cometeu um ato "descabeçado" ao se deixar possuir pela paixão, por isso essa pessoa
passa agora a ser representada por um animal considerado bestial.
Na moral judaico-cristã, as forças instintivas do desejo sexual é tida como um mal, uma
bestialidade. Somente a alma é pura, o corpo é imundo e não requer honraria.
Paradoxalmente, Jesus Cristo afirmou que o corpo é sua morada.
Jesus Cristo não nasceu do repolho e nem se quer apareceu do nada. Ele nasceu, e
parece ter feito questão disso pois poderia simplesmente ter surgido do nada ou do
deserto, de um corpo. Do corpo de Maria que representa a matéria e, particularmente,
o feminino.
Na tríade cristã, Pai, Filho e Espírito Santo, o quarto elemento, o corpo de Maria, não
foi adicionado, sendo relegado ao desprezo. O corpo é sumamente negado e
desapropriado de seu lugar juntamente com o feminino, representado por Maria e a
gestação de Jesus Cristo.
Sem a representação do quarto elemento, o quatérnio não se formou e esse é o sinal
do ponto fraco desta doutrina: a negação da matéria, a negação do corpo, a negação
dos instintos, a negação de Maria representante do feminino.
Enquanto a potência feminina que atravessa os humanos for negada e relegada ao
inconsciente, aquilo que ela representa escapará na sociedade de modo deturpado e
doentio. Desprovida do fator feminino, a sexualidade deixa de ser sacralizada daí que o
ato sexual se dissocia do amor e, consequentemente, se apresenta apenas como
disputa e ou imposição de poder.
Você não acha que já é hora de retirar os freios de ferro da sua boca¿
01.03.2020
Extraído do texto O Martelo das Feiticeiras de Heinrich Kramer e James Sprenger –
Tradução de Paulo Fróes – pág. 39 – Editora Rosa dos Tempos – 8ª edição – Rio de
Janeiro – RJ
Cascudo, Luis da Câmara – Lendas Brasileiras – Ilustrações de Poty – 2ª. Edição –
Ediouro – RJ. – 2.000.
JUNG, C.G. – Interpretação Psicológica do Dogma da Trindade – Obras completas – Vol.
XI/ 2 -Tradução de Padre Dom Matheus Ramalho Rocha – Editora. Vozes – 3ª edição –
1988 – Petrópolis – RJ