Atena, a deusa da
Razão Suprema, deusa da Inteligência, aquela que nasceu já armada
da cabeça de seu pai Zeus, é a mestra e patrona da arte da
tecelagem.
A
jovem Aracne é apenas uma simples mortal, mas é exímia na arte de
tecer. Atena percebe que os mortais a estão adorando e com medo de
não ser mais tão honrada em seu templo pelos mortais e
perante
a ousadia dessa mortal que ousa igualar-se em sua maestria de tecelã,
Atena propõe um desafio para verificar qual das duas ganha ao tecer
um tapete.
Certa
de ganhar, Atena borda os doze deuses Olímpicos em toda sua
majestade e nas quatro pontas de seu trabalho evoca os castigos
sofridos pelos mortais que ousaram desafiá-los.
Em
resposta a essa imagem transcendental de uma realidade proibida aos
humanos, Aracne em seu trabalho, borda os amores dos deuses pelos
mortais subordinando o próprio Olimpo às paixões humanas.
Atena
sentindo-se ultrajada, golpeia a jovem com uma de suas lançadeiras
de bordado. Diante da fúria da deusa, Aracne resolve se suicidar,
enforcando-se.
Atena,
não desejando tal desfecho, poupa-lhe a vida, todavia, a metamorfoseia
na aranha, que para sempre há de balançar-se na ponta de seu fio.
Aracne
passa assim a representar o arquétipo da tecelã. Contudo, nos trás à lembrança o fio das Parcas a
determinar o destino do humano.
É
que aqui, “a morada da aranha é a mais frágil das moradas”,
assim está escrito no Alcorão que como na Bíblia, sublinha sua
fragilidade.
Essa
fragilidade vem representar a realidade da ilusão. Será que a
aranha representaria a tessitura do mundo ou simplesmente o véu das
ilusões que esconde a verdade?
Essa
dialética que nos mostra a ambivalência da aranha é também a
dialética entre essência e existência que se encontra formulada
desde o inicio da cultura mediterrânea e que hoje ainda nos coloca
em debate.
Na
existência se pressupõe um estado de consciência que se satisfaz
com os pontos de vista ou efeitos puramente concretos de uma coisa.
Quando se trata da essência, esse estado de consciência já não se
satisfaz com os efeitos literais e concretos das coisas buscando
atribuir-lhes significados simbólicos.
O
humano primário conhece as propriedades imateriais das coisas, mas
para ele essas não são simbólicas. Para ele as propriedades
imateriais das coisas são mágicas, práticas tão concretas como
uma coisa real.
Dito
isso, a capacidade de formular conceitos simbólicos é bem diferente
e um passo extremamente importante da passagem do conceito natural e
magico para o conceito espiritual do mundo. Espiritual no sentido de
que a consciência aqui abarca as subjetividades e sensibilidades
diante de uma dada realidade.
Simbolicamente
seria ultrapassar o conceito de fragilidade leigo e primário para a
fragilidade que na verdade se constitui do poder de ver através do
véu da ilusão.
Na
atitude mágica o eu se encontra no centro das atenções e ele
deseja dominar, feito a aranha no centro de sua teia, um modo
narcísico de ocupação da existência.
Na atitude espiritual, o eu
não se importa em ser o centro e nem de obter o domínio sobre as
energias desconhecidas, essa atitude vai bem além culminando na
dissolução do objetivo mágico ao ter como objetivo a união com o
tu e não mais com o eu.
Resumidamente,
Aracne com sua teia, inaugura a possibilidade de ver através do véu,
ver através de sua teia quase que invisível.
Ao sermos capturados
pela teia de Aracne podemos nos perpetuar em se debater e cada vez
mais nos enredar ou simplesmente, parar, dar uma pausa na agitação
e na ansiedade de modo a enxergar o que existe através dela, para
além de seu fio tão frágil e ao mesmo tempo tão forte que ousa
unir os mundos material e imaterial.
Lunardon Vaz
Interessante, parabéns!