Na época da colonização do Brasil, o jesuíta José de Anchieta fez o primeiro registro sobre a lenda do Boitatá em 1560.
De acordo com a lenda indígena, Boitatá seria uma cobra com olhos de fogo parecendo dois faróis. Seu corpo gigantesco seria coberto por fogo cujo couro seria transparente, e sua cor cintilante denunciava seus movimentos durante a noite, enquanto deslizava nas campinas e à beira do rio.
Nessa mesma versão, disseminada pelo Norte e Nordeste do Brasil, Boitatá teria o poder de se transformar num tronco de fogo para atrair e enganar os lenhadores e as pessoas que maltratam a mata e os animais.
Olhar diretamente para os olhos de Boitatá significa ficar louco, cego e até morrer. Se acaso você se encontrar com o Boitatá, não corra, fique parado, feche os olhos e prenda a respiração até que ele se afaste.
Já na região Sul do país, a lenda ganha outras versões. Em Santa Catarina, o Boitatá não seria uma cobra, mas sim um touro de patas gigantes com um enorme olho bem no meio da testa que brilha feito um tição de fogo.
A explicação sobre a origem desse animal imaginário também nos chega da região Sul. Uma versão da lenda diz que a cobra Boitatá surgiu por ocasião do grande dilúvio bíblico. Após 40 dias e noites de chuva ininterrupta, muitos animais morreram, e as cobras se fartaram com tamanha abundância.
Como castigo pela alegria diante da carne dos animais mortos, sua barriga se transformou no fogo que se transborda pelos olhos.
Depois de 40 dias e noites chuvosos e em pleno dilúvio, a cobra, segundo a versão bíblica, não deveria ficar feliz com a abundância de comida à sua disposição. Ao menos, deveria comer com tristeza pela morte desses inocentes. Mas essa empatia não se encontra nos animais famintos; antes, é uma projeção do humano que busca personificar o animal em sua própria imagem e semelhança.
O que nos diz tal projeção é que o humano busca uma moral para si mesmo. Nesse caso, não se alegrar com o sofrimento alheio e nem dele se alimentar.
A cobra tem sua representação maior e sagrada como sendo o eixo entre céu e terra, que se traduz num serpentear que se pode ver nos caminhos dos rios sobre a terra e nas estrelas sob o céu.
Tanto se pode apreciá-la abraçando a criação, formando um círculo contínuo que impede a desintegração do planeta e de suas criaturas, quanto pode ser apreciada na forma de Uroboros, a serpente que morde a própria cauda, simbolizando a transmutação perpétua de morte em vida.
Devido às presas que injetam veneno na própria cauda, traz a simbologia dialética da vida que sai da morte e da morte que sai da vida.
O Boitatá vai representar nossa pulsão espiritual e evolutiva ao preservar a natureza e a defender.
Seu gigantismo demonstra sua força invencível, que está a serviço da sensibilização humana.
Os gigantes, de acordo com Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, estudiosos do simbolismo, nos dizem que “a evolução da vida no sentido da espiritualização crescente é o verdadeiro combate dos gigantes.”
A maioria de nossas lendas se originam da cultura indígena, e há séculos essa cultura vem nos alertando para defender a floresta e preservar a vida através de seus contos e lendas.
O Boitatá, a cobra gigante que está no céu e na terra, deveria servir para unir os humanos em torno da preservação do planeta. No entanto, continuamos a derramar o sangue de outras tribos, de outras diferenças de crenças e de ideologias políticas.
As lendas indígenas têm muito a nos ensinar. Basta ter olhos para ver e ouvidos para escutar, os quais não necessariamente precisam ser físicos, precisam sim ser sensíveis ou espirituais.
Lunardon Vaz
28.04.2021