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BRANCA DE NEVE E OS SETE ANÕES – uma perspectiva do processo de individuação

Os Irmãos Grimm, em sua
compilação dos vários contos através da Alemanha, publicaram a
versão mais conhecida na época, e essa se tornou, com o tempo, a
mais divulgada, mas há muitas outras.

A
origem desse conto é controversa. É possível ter iniciado na Idade
Média e se mantido pela tradição oral.

No
início da história contada pelos Grimm, uma rainha costurava, no
inverno, ao lado de uma janela negra como o ébano. Ao lançar o
olhar para a neve, picou o dedo com a agulha, e três gotas de sangue
pingaram sobre a neve, o que a deixou admirada e a fez pensar que, se
tivesse uma filha, gostaria que fosse “alva como a neve, rubra
como o sangue e com os cabelos negros como o ébano da janela”.

Não
tardou, e a rainha teve uma filha de descrições idênticas ao seu
pedido: branca como a neve, com os cabelos negros como o ébano e os
lábios vermelhos como o sangue. Mas, tão logo sua filha veio ao
mundo, a rainha morreu.

O
pai deu à filha o nome de Branca de Neve, e logo tornou a se casar
com uma mulher arrogante, esnobe e vaidosa, possuidora de um espelho
mágico que só falava a verdade.

A
rainha consultava seu espelho, perguntando quem era a mais bela do
mundo, ao que ele sempre respondia: “Senhora Rainha, vós sois a
mais bela”. Quando Branca de Neve fez dezessete anos e a
madrasta voltou a perguntar, o espelho respondeu: “Você é
bela, rainha, isso é verdade, mas Branca de Neve possui mais
beleza”.

Cheia
de inveja, a Rainha contratou um caçador e ordenou que ele matasse
Branca de Neve e lhe trouxesse seu coração como prova, na esperança
de voltar a ser a mais bela. O caçador ficou inseguro, mas aceitou o
trabalho. Pronto para matar a bela princesa, o caçador desistiu ao
ver que ela era a menina mais bela que já havia encontrado, e
rapidamente a mandou fugir e se esconder na floresta; para enganar a
rainha, entregou a ela o coração de uma corça. A rainha assou o
coração e o comeu, acreditando ser de Branca de Neve. Mas, ao
consultar o espelho mágico, ele continuou a dizer que Branca de Neve
era a mais bela.

Branca
de Neve fugiu pela floresta, até encontrar uma casinha e, ao entrar,
descobriu que lá moravam sete anões. Como era muito gentil, limpou
toda a casa e, cansada pelo esforço que fez, adormeceu na cama dos
anões.

À
noite, ao chegarem, os anões levaram um susto, mas logo se acalmaram
ao perceber que era apenas uma bela moça, e que a mesma tinha
arrumado toda a casa. Como agradecimento, eles cederam sua casa como
esconderijo para Branca de Neve, com a condição de ela continuar
deixando-a tão limpa e agradável.

A
rainha não tardou a descobrir o esconderijo de Branca de Neve e
resolveu matá-la. Disfarçada em uma velha mascate, foi até a casa
dos anõezinhos. Chegando lá, ofereceu um laço de fita a Branca de
Neve, que aceitou. A rainha ofereceu ajuda para amarrar o laço em
volta da cintura de Branca de Neve e, ao fazê-lo, apertou-o com
tanta força que Branca de Neve desmaiou. Quando os anões chegaram e
viram Branca de Neve sufocada pelo laço de fita, rapidamente o
cortaram e ela voltou a respirar.

A
rainha novamente descobriu que Branca de Neve não estava morta, e
voltou a se disfarçar, mas desta vez como uma velha senhora que
vendia escovas de cabelo, na verdade envenenadas. Ao dar a primeira
escovada, Branca de Neve caiu no chão, desmaiada. Quando os anões
chegaram e a viram, rapidamente retiraram a escova de seus cabelos e
ela acordou.

A
rainha, já enlouquecida de fúria, decidiu usar outro método: uma
maçã enfeitiçada. Dessa vez, disfarçou-se de fazendeira e
ofereceu uma maçã; Branca de Neve ficou em dúvida, mas a Rainha
cortou a maçã ao meio e comeu a parte que não estava enfeitiçada,
e Branca de Neve aceitou e comeu o outro pedaço, enfeitiçado. A
maçã engasgou na garganta de Branca de Neve, que ficou sem ar.
Quando os anões chegaram e viram Branca de Neve desacordada,
tentaram ajudá-la, mas não sabiam o que causara tudo aquilo, e
pensaram que ela estava morta. Por achá-la tão linda, os anões não
tiveram coragem de enterrá-la, e a puseram em um caixão de vidro.

Certo
dia, um príncipe que andava pelas redondezas avistou o caixão de
vidro, e dentro a bela donzela. Ficou tão apaixonado, que perguntou
aos anões se podia levá-la para seu castelo, ao que eles aceitaram
e os servos do príncipe a colocaram na carruagem. No caminho, a
carruagem tropeçou, e o pedaço de maçã que estava na garganta de
Branca de Neve saiu, e ela pôde novamente respirar, abriu os olhos e
levantou a tampa do caixão.

O
príncipe a pediu em casamento, e convidou para a festa a rainha má,
que compareceu, morrendo de inveja. Como castigo, ao sair do palácio,
acabou tropeçando num par de botas de ferro que estavam aquecidas.
As botas fixaram-se na rainha e a obrigaram a dançar; ela dançou e
dançou até, finalmente, cair morta.

ANÁLISE
– PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Era
uma vez e não era uma vez…

Assim
se inicia a história que deseja estar num tempo sem tempo; de viver
na intensidade dos sentidos e de se situar na forma sem forma do
espírito do imaginário.

Quando
o ego se disponibiliza para sua escuta a história se apodera dos
sentidos vívidos do corpo e insinua as trilhas a percorrer para a
resolução de padrões repetitivos devendo ser transformados.

Essas
simples histórias de contos de fada são como C. G. Jung considera o
mito: “expressões inconscientes de nós mesmos”. (Jung e Kerényi
1989, p. 162).


um elemento imperecível nos mitos e nos contos de fada que é a
chave para a compreensão de um padrão inconsciente da civilização.
É o arquétipo que mapeia e nos leva ao conhecimento tal qual o fio
de Ariadne através do labirinto.

…Havia
um reino muito próspero e feliz. E para coroá-lo da máxima
alegria, o reino todo se exultava pela notícia da gravidez de sua
rainha.

O
REINO representa todo o território da psique. A união bem sucedida
do rei e da rainha significa que houve a união dos opostos. Uma das
etapas do processo de individuação que é absolutamente natural, já
aconteceu, no entanto, a psique é dinâmica, sobretudo é vida,
portanto não para de avançar nesse processo, de modo que esses
valores alcançados já estão superados e precisam de um broto, da
novidade, do bebê que vai depor rei e rainha antigos. Que vai trazer
ao reino o elemento da sombra na imagem da bruxa e refazer a união
dos opostos no final, não antes de lidar com territórios selvagens,
bruxa, anões, estratégias sinistras, aliados e inimigos, suspensão
da vida e finalmente o novo despertar.

É
preciso vivências e conflitos para ocorrer as pulsões, o pulsar da
vida.

É
por isso que a psique representada pelo reino deseja o seu terceiro
elemento. Deseja O BEBÊ, aquele que trás a novidade, aquele que
sempre há de vir, o devir.

A
rainha agora grávida, numa fria tarde de inverno se põe a bordar
diante de uma janela da cor do ébano. Ao se ferir com a agulha, um
pingo de sangue cai sobre a neve que está contra a janela.

Diante
do contraste de cores, a rainha se encantou e desejou que seu bebê
fosse assim branco feito a neve, de bochechas vermelhas feito o
sangue e com os cabelos pretos do ébano.

O
desejo, como não poderia deixar de ser, mais uma vez, construiu, até
que nasceu a princesa Branca de Neve. Tristemente órfã,
imediatamente após seu nascimento.

A
mãe boa morreu. A menina não pode mais contar com mamãe que lhe dá
colinho e a superprotege. Terá de se haver com suas próprias pernas
e potências. E como se não bastasse ainda terá uma madrasta que a
quer ver morta!

O
caminho de individuação exige a orfandade. É necessário abandonar
pai e mãe para obter o conhecimento sobre si mesmo que leva a ação
e não ao narcisismo.

O
processo de individuação se tivesse uma voz, duramente diria:

Se
queres continuar narcisicamente encapsulado em sua zona de conforto,
fique com papai e mamãe, lute pela proteção do Estado e
de
ideologias quaisquer, mantenha para sempre pais terrestres e pais
celestes e, sobretudo, culpe-os pela sua mísera existência e ou
idolatre-os pelas suas nobres conquistas.”

Está
tudo bem, tudo bem! A mãe boa morreu. Essa mãe a tornaria uma
pessoa fraca. A madrasta é a mãe má que, na verdade, irá guiar
Branca de Neve em seu caminho de maturação e força.

O
que seriam dos heróis e das heroínas das histórias se não fossem
os vilões e as vilãs?

O
mesmo é válido para a psique. De nada vale trabalhar-se com os
aspectos lindos e meiguinhos da psique, nem com as fadinhas e nem com
os unicórnios cor-de-rosa. Os que trazem crescimento ao analisando
em psicologia analítica são os vilões mais temerários do
inconsciente.

PROCESSO
DE TRANSFORMAÇÃO ALQUIMICO

Enquanto
o reino se paralisa entre as forças do luto e da alegria, entre a
pulsão de vida e a pulsão de morte.

O
que se pode produzir em um momento de suspensão como na carta do
Enforcado do Tarô? Momento esse que pode durar anos de depressão?

Lembremos
que no procedimento alquímico de transformação utilizam-se os
chamados metais vulgares ou baixos como o chumbo para produzir o
ouro.

Assim,
utilizando dessa analogia, podemos dizer que as emoções,
pensamentos e sentimentos reprimidos e ou indesejados pela
consciência tidos como baixos e vulgares, como a raiva, solidão,
tristeza, sofrimento, desprezo, inveja, ciúmes, luto, medo,
angustia, etc.; vai cada um deles, se depurando até chegar ao
acolhimento do ego, onde então, tornar-se-á ouro.

O
ouro aqui representa o brilho do sol, o deus Apolo que todos os dias
nos trás o sol em sua carruagem brilhante; representa a luz do dia;
a luz da consciência.

Aqueles
sentimentos e conteúdos que antes habitavam as trevas, a partir do
processo alquímico, ganha o status de luz, de consciência. E devo
lhes dizer e lhes alertar que todos os seres das trevas almejam
tornarem-se luz!

De
modo que o ego, depois de suas zil resistências, ao interagir com os
seus sentidos (quaisquer que sejam eles) não mais despreza o seu
corpo, sua psique, seu reino, sentindo-se bem dentro de sua própria
pele, podendo, enfim, reinar sobre si mesmo.

A
primeira fase alquímica é chamada de nigredo (o ébano da janela),
o negro, a cor que não projeta a luz, mas que a retém. Indicando
que o conhecimento está retido, está introvertido e guardado só
para si.

Na
segunda fase, ocorre o albedo (a neve), a brancura, o equilíbrio, o
tédio, o neutro. Mas, na brancura não há vida, não há pulsação.
Para que haja vida é necessário o vermelho, o sangue, as pulsões,
o vivo e inquietante, o êxtase.
Finalmente,
esta é a terceirafase,o rubedo.

MATURAÇÃO
DA FEMINILIDADE

Voltando
lá para o conto de fada, o novo que chegou é uma garota,
representante da força psíquica feminina que dará continuidade ao
feminino materno que morreu.

Esse
reinado precisa ser deposto porque nele não há lugar para a sombra,
tanto feminino quanto masculino precisam ser transformados, mas nesse
conto a ênfase é dada ao aspecto feminino da psique, que de uma
beleza excepcionalmente feminina e fútil terá de passar para uma
feminilidade mais consistente cuja beleza esteja associada à
maturidade psíquica.

A
madrasta má de um modo sombrio irá impulsionar a pequena Branca de
Neve a se tornar mais forte e mais sábia depois de se confrontar com
suas artimanhas.

A
força psíquica feminina é de acolhimento que posteriormente, se
juntará àquele que será o novo rei, o novo princípio masculino
dominante da psique, pois como veremos, o velho rei representa um
conteúdo antiquado e já superado pela psique, um valor que deve ser
deposto para dar lugar a um novo valor mais atualizado, um novo rei,
um novo principio masculino dominante na psique que deve estar sempre
se refazendo de acordo com a dinâmica do fluxo de vida e da reflexão
do ego sobre a sua ocupação da existência.

Essa
nova força feminina de agregação de novos valores que contemplam a
diversidade e multiplicidade terá de se haver com a velha forma
feminina de pensamento.

Assim,
lá nos confins da Terra uma bruxa consulta seu espelho mágico que
novamente lhe confirma ser a mais bela dentre todas. O que significa
que existe uma postura narcísica há muito estabelecida na psique,
uma zona de conforto, uma certeza poderosa e falaciosa.

Toda
a força masculina do pai de Branca de Neve estava sucumbida pela
beleza da sua nova rainha. A beleza refletida no espelho. A beleza
que não abriga o calor do sentimento e tão somente a ilusão da boa
aparência tal e qual no Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde.

No
entanto, Branca de Neve agora já crescida, passa a ser extremamente
admirada por todo o reino tanto por sua beleza quanto por seus modos
elegantes e cordiais.

E
dessa vez, quando a bruxa pergunta: “Espelho, espelho meu,
existe alguém mais bela do que eu?”.

O
espelho revelador responde: “Sim. Branca de Neve é a mais
bela”.

Seu
encanto vem do coração. Branca de Neve possui capacidade de amar.

Sua
madrasta possui a capacidade de encantar os homens. Possui a beleza
fútil da feminilidade engendrada apenas para agraciar a sociedade.

A
força desse feminino recém-chegado e inovador já se faz sentir na
psique e o núcleo narcísico começa a desmoronar. O espelho
refletor de si mesmo admite a existência de uma nova possibilidade
de crescimento para fora de seu encapsulamento.

A
fúria da inveja somada ao engessamento de velhas posturas e contra
aquilo que sempre há de vir seja a queda, a velhice, a morte, os
novos rumos e valores, o voo ao desconhecido, o trilhar sem saber, o
sol que agora se dirige ao poente, pode gerar uma força apegada e
obcecada pelo “que já foi” desmedida, que agora irá procurar
derrotar o belo novo que se insurge contra o antigo modo de conduzir
e ocupar a existência.

A
bruxa seduz o velho rei e agora como madrasta e rainha, ordena ao
caçador que mate Branca de Neve e como prova de sua lealdade, lhe
entregue o coração, o centro da pulsação da vida, o representante
da capacidade de amar.

A
figura de feminino anterior a Branca de Neve se contentava em ser
bela, em personificar uma virtude exclusivamente feminina. Ao se
contentar em ser apenas uma fêmea para o macho a mulher não adquire
sua individualidade e muito menos progride em seu processo de
individuação, consequentemente, torna-se vazia, um mero enfeite, um
vaso de boas vindas à projeção do homem.

O
velho rei, o princípio masculino mais fiel às tradições, se deixa
levar pela bruxa que deseja impedir o novo feminino que agora brota
de modo franco e determinado.

O
CAÇADOR é um dos aspectos da força masculina. Aquele que está
mais próximo dos animais. Mais próximo aos instintos. E por
caçá-los e fazer o enfrentamento, ele vem representar um aspecto
mais honesto do ego por admitir, conscientemente, suas forças
animalescas e tratá-las dentro do princípio de força e não da
moralidade.

O
caçador espreita o instinto, aprende sobre seus modos e jeitos.
Conhece seus truques, aprende a respeitá-los por sua força e por
sua sabedoria. Sabe decidir quando e como colocar limite neles ou
como e quando deixar passar.

Devido
a tal proximidade, o caçador confere ao ego um menor risco de
doenças neuróticas e está livre da sociopatia. Quanto mais
próximos aos instintos, mais haverá saúde psíquica e quanto mais
distante dos instintos mais psicologicamente doentes estaremos.

Todos
nós precisamos urgentemente conhecer nosso caçador.

No
conto, depois de matar Branca de Neve ele teria de levar seu coração
para a madrasta e rainha como prova de sua lealdade na missão que
lhe foi confiada. Isso talvez signifique uma alusão aos rituais
primitivos de adquirir o “mana”, a força ou espírito
daquele que foi abatido através da ingestão de seu coração.

O
caçador se compadece e não vê sentido em matar sua presa de modo
que segue suas próprias regras e poupa a vida de Branca de Neve
libertando-a na floresta e levando à madrasta o coração de uma
corça no lugar do coração da menina.

Aqui
presenciamos um processo interessante guiado pelo aspecto do
masculino caçador. Aparentemente, ele fracassa em proteger Branca de
Neve. Mas, se examinarmos com atenção, veremos que ele conduz a
menina ao território que lhe é sagrado e de seu conhecimento e
aprendizado.

A
floresta é o local onde Branca de Neve poderá se apossar de seus
instintos mais loucos e se familiarizar com os sete anões, conteúdos
da psique necessários para seu crescimento e fortalecimento
psicológico.

Além
disso, posteriormente, a floresta será o palco da transformação de
menina em mulher e, também, de seu encontro com o masculino
positivado de sua psique, fechando um ciclo em seu caminho de
individuação e assim derrotando (transformando) as forças
contrárias à sua saúde psíquica.

O
caçador, mais uma vez, como animus, ou seja, como conteúdo
masculino da psique, fez seu papel de psicopompo, de guia para o ego.

Ao
consultar o espelho mágico, a bruxa descobre o engano e ordena a
morte do caçador.

Assim,
a força contrária à modificação do pensamento e,
consequentemente, do comportamento, que se conquista através dos
enfrentamentos aos conflitos e instintos, foi imobilizada e Branca de
Neve, a nova força de vida está perdida na floresta. Perdida numa
confusão de sentidos e sentires, de dúvidas, angústias, ansiedade,
medo e a mercê das fúrias.

O
ego enfrenta a morte que poderá tanto conduzi-lo a um novo modo de
ocupação da existência quanto a uma irremediável paralisação
neurótica.

Depois
dessa morte simbólica, Branca enfrentará ainda mais três outras
mortes. Somente na quarta morte é que Branca de Neve acorda para uma
nova dimensão de existência psíquica a par de suas conquistas
internas e finalmente alcança a união com seu oposto, o que
significa ir além da dicotomia, vencer trevas e luz e engendrar a
realidade multifacetada.

Nessa
história há saída. Depois de muitas batalhas, a morte dá lugar a
uma nova dinâmica de forças.

Enfrentando
seus fantasmas, Branca de Neve está apavorada e se precipita mais e
mais para dentro da floresta. Exausta, encontra uma casinha diminuta
com camas também diminutas. Os moradores estão trabalhando. Une as
camas, deita-se nelas e adormece sendo despertada pelos sete anões
que retornaram do trabalho cantando assim em uníssono: “Eu vou, eu
vou, pra casa agora eu vou…”.

A
nova força que ascende ao domínio do velho ego, depois de se perder
em meio à floresta encontra uma construção humana. Encontra um
código que é familiar ao ego, embora se apresente de uma maneira
diminuta. São trabalhadores. Escavam minas de pedras. As pedras
guardam as memórias de toda a vida da Terra.

Todos
os dias, se levantam ao amanhecer e se encaminham para as minas e
quebram pedras, abrindo caminhos por debaixo da Terra, escavando a
Terra, descobrindo, conhecendo a história da Terra, a história da
psique humana.

Trabalham
duramente para alcançar o reconhecimento do ego, por que cada um
deles representa uma força psíquica que foi rejeitada pela
consciência.

Finalmente
se encontram com Branca de Neve. E eles são anões por que estiveram
soterrados na psique, sem espaço suficiente para se espicharem, se
erguerem e se encompridarem.

OS
SETE ANÕES E SUAS REPRESENTAÇÕES

Branca
de Neve, representante do ego nesse conto, deverá tomar consciência
desses conteúdos psíquicos antes de enfim, concluir a etapa de
união dos opostos que acontece representativamente no casamento com
o príncipe.

ATCHIM
:

Sensibilidade
ao meio. Os cinco sentidos são utilizados de modo a perceber o que
se passa no ambiente a sua volta, detectando as sensibilidades dos
animais, das pessoas bem como a atmosfera emocional do ambiente.

Quando
negativado ou negado pela consciência se traduz em intolerância
social ou insensibilidade.

ZANGADO:

Aquele
que tem a capacidade de se revoltar, de ficar indignado com alguém
ou com algo. A indignação é necessária tanto para se proteger
quanto para proteger o outro e ou modificar um determinado cenário
político/social.

Negativado
torna-se rabugice, violência e ira sem fundamentação na sabedoria,
irracional.

FELIZ:

Capacidade
em se alegrar pelo princípio do prazer em detrimento do princípio
de morte. De fáceis aspirações, leveza e criatividade.

Negativada
tende a alegria fabricada e ou distorcida e compulsiva.

SONECA:

Capacidade
imagética e delirante. O prazer de sonhar e estabelecer vínculos
com a realidade através de produções e práticas.

Negativado
busca escapismos e rebaixamento dos sentidos ou a exacerbação
deles.

DUNGA:

Capacidade
de escuta. De grande acolhimento, de amor e compaixão.

Negativado
o ego pode se conduzir a uma postura passiva/agressiva,
ao
cinismo ou a sociopatia.

DENGOSO:

Capacidade
de se comportar delicadamente. Aquele que consegue demonstrar
brandura e que tem o poder de grande ternura.

Negativado,
porém, usualmente se utiliza de manobras sentimentais para
conquistar coisas e pessoas.

MESTRE:

Capacidade
de concentração, de aprendizado, memória, entendimento e análise,
bem como da expressividade do conhecimento adquirido.

Voz
interna que o ego escuta e que, invariavelmente, o orienta e o
ensina. O ego o sente como sendo mais velho e mais sábio que ele
mesmo.

Carl
Gustav Jung chama de a voz do Self, a voz do Inconsciente Coletivo, a
voz do registro da história de toda a Humanidade que nos fala todos
os dias e todas as noites.

Negativada,
quando o ego não a acolhe ou nega, o próprio ego se arroga em
sabedoria onipotente e sofre da doença da razão.

Muitos
autores e muitos tradutores chamam o Self de Si Mesmo. No entanto,
traduzir a voz do Self por voz de Si Mesmo reduz imensamente o seu
real significado, sobretudo porque lhe dá um aspecto extremamente
individualista
e ele é
o núcleo do coletivo.

No
desenho do aparelho psíquico de Jung, o Self é aquele que congrega
em si todos os arquétipos. Então, quando queremos falar sobre
arquétipos podemos nos referir sobre imagens do Self.

O
Self possui a idade da humanidade, desde que ela se iniciou ele
também se iniciou porque a psique se inicia com o homem e a mulher.
O Self é o registro de toda a história psíquica de toda a
humanidade em forma de imagens.

O
planeta Terra possui 4,543 bi de anos, a voz do Self possui a mesma
idade.

Nessa
história que vimos, somos o rei e a rainha que foram depostos, somos
a bruxa, somos a princesa que fez seu caminho de individuação,
somos o príncipe que também enfrentou seus instintos e fez seu
caminho, somos o rico reino, somos o vilarejo pobre que cerca esse
reino, somos a taberna e o vinho, o prostíbulo e a prostituta, a
igreja e o santo, somos a floresta, somos os animais da floresta,
somos as árvores, o crocodilo no pântano, somos o pântano, somos
os peixes do riacho, somos o riacho, somos a rocha que sustenta o mar
e somos o mar. Somos o céu, o sol, a estrela cadente e as que surgem
altaneiras.

A
ciência acaba de comprovar que somos feitos da poeira estelar!

E
essa é a voz do Self, somos UM com todas as coisas do universo e
somos múltiplos e complexos em todos os “si mesmo” de cada
pessoa e de cada animalzinho desse planeta.

Não
há fronteiras e nem alfandegas no Inconsciente Coletivo, não
precisamos de passaporte e a linguagem é a do imaginário que conta
o conto e encanta em todas as línguas do planeta.

Somente
uma nova força do ego aliada aos seus instintos poderá desterrar e
ver, pela primeira vez, que tudo aquilo que julgava ser atributo,
nada mais era do que autoengano e que o fluxo de vida corre e
borbulha independente de si
próprio
e muito, muito além de si
próprio.
Sobretudo, que sua territorialização por razão e poder é fruto de
sua ignorância.

AS
QUATRO MORTES SIMBÓLICAS VIVENCIADAS POR BRANCA DE NEVE

No
decorrer do percurso do processo de individuação, todos aqueles que
se atrevem a olhar para dentro, a olhar para si mesmos e se
comprometer com aquilo que vê , sofre não apenas uma, mas sete
vezes sete vezes sete vezes sete…mortes, um jogo de palavras para
definir que as mortes acontecerão todas as vezes que seu chão lhe
faltar e esse lhe faltará diversas vezes até que entenda de uma vez
por todas que ele não existe e que jamais existirá, permitindo a
existência e a atuação do inconsciente.
Nenhum
de nós temos o controle.

Marie-Louise
Von Franz, em entrevista para o Jornal Folha de São Paulo, caderno
Ilustrada, de 02 de novembro de 1987, por Gilson Schwartz, comenta
que:

Mas,
para Jung é preciso render-se. A ‘dificuldade’ nunca será
superada. A ‘sincronicidade’ não pode ser manipulada. Assim,
Jung promove uma derrota completa da racionalidade. Mesmo assim há
uma possibilidade de manipulação no conceito junguiano. Se você
tem uma atitude positiva frente ao inconsciente, ele se torna muito
mais benevolente. Se não pudéssemos manipulá-lo em absoluto não
haveria psicoterapia. A partir de uma atitude consciente, frente ao
inconsciente, a ‘sincronicidade’ pode trabalhar positivamente
para o paciente, ele é curado. Eu diria que não se pode manipular,
mas, tornar o contato com o inconsciente mais amigável”.

PRIMEIRA
MORTE SIMBÓLICA

Branca
de Neve vivencia sua primeira morte ao tomar consciência de seu
abandono. Vê-se órfã de mãe, pai ausente e abandonada a sua
própria sorte aos perigos da floresta.

Nesse
momento o ego percebe que está só na selva de pedra e que só pode
contar consigo mesmo, mais tarde, depois que conheceu suas
personalidades parciais em sua análise psicoterápica ele pode
dizer: “agora eu posso contar comigo e com os muitos de mim!”. É
o que acontece no fim dessa história!

O
ego poderia sucumbir em auto piedade, mas quando não se tem mais
nada a perder pode-se lançar mão daquela coragem selvagem que nos
diz “é agora ou nunca” e com ela seguir adiante com a bravura do
guerreiro.

Em
meio ao caos, Branca de Neve encontra a casa dos anões, conteúdos
psíquicos junto aos quais ganha mais poder de reflexão e
maturidade.

SEGUNDA
MORTE SIMBÓLICA

Disfarçada
em uma velha mascate a madrasta ofereceu um laço de fita a Branca de
Neve e o amarra em volta de sua cintura apertando-o com tanta força
que Branca de Neve desmaiou.

A
madrasta corresponde a um conteúdo psíquico anteriormente
dominante. O ego lhe era obediente até o momento em que se viu em
perigo de morte.

No
caminho de transformação é usual que o ego acabe voltando a
trilhar o caminho anteriormente conhecido, embora perigoso, por ser
familiar, parece ser mais fácil, e o ego se deixa seduzir. No
entanto, aquilo que ele já conquistou que, nesse caso, foi o acesso
aos sete anões, vem ao seu auxílio e ele retorna a sua jornada
saindo assim de seu sono, de sua dormência.

A
cisão entre a parte superior e inferior do corpo, em meio à
cintura, corresponde à cisão neurótica entre a sexualidade e os
sentimentos.

A
pessoa torna-se assexuada, não permitindo sentir as pulsões sexuais
embora acredite sentir as demais emoções.

A
imagem arquetípica da sereia é a que melhor traduz esse estado
neurótico.

TERCEIRA
MORTE SIMBÓLICA

Como
uma velha senhora que vendia escovas de cabelo, a madrasta se
disfarça e presenteia Branca de Neve. Ao dar a primeira escovada,
Branca de Neve caiu no chão, desmaiada, pois a escova estava
envenenada. Logo, porém, os anões a salvam.

Novamente
o ego resiste em sua jornada e volta a “dormir”, dessa vez sua
cabeça foi envenenada. Assim como no mito de Sansão e Dalila, suas
forças foram minadas através dos cabelos.

Os
pensamentos que não contemplam também os instintos, além de sua
razão, não nutrem a psique e consequentemente, enfraquecem o ego.

QUARTA
E ÚLTIMA MORTE SIMBÓLICA

Novamente,
a força predatória da pulsão de morte paralisa a ação da pulsão
de vida.

A
bruxa disfarçada em uma pobre senhora a vender maçãs de porta em
porta para seu sustento, ardilosamente seduz Branca de Neve que ao
morder a maçã enfeitiçada cai em sono profundo.

Agora
somente a força da ação, da atitude, da coragem e desapego
advindas do poder engendrado pelo principio dessa nova consciência
do ego poderá restabelecer suas forças e recriar um caminho para a
união dos opostos.

O
caixão de vidro sugere que o sono, a morte é um estado consciente,
que o ego está acompanhando esse estado e que a força masculina de
sua psique está a caminho e que em breve sairá da floresta, do
mundo selvagem, através da carruagem, através de uma construção
feita pelo ego.

Enquanto
Branca de Neve está sendo velada pelos sete anões que a julgam
morta, um príncipe passando ali por aquelas bandas percebe a cena e
ao se aproximar fica tão extasiado com a beleza de Branca de Neve
que não resiste em dar-lhe um beijo.

O
príncipe representa a força masculina da psique feminina, é o
animus, o poder objetivo, o poder de ação e razão.

Seu
desejo destrava a força de absorção aos novos valores e a nova
atitude de vida surge traduzida em casamento, que significa união
dos contrários que produz o diverso e o múltiplo.

Diante
dessa conquista a fúria se volta contra si mesma. E a madrasta
quebra seu espelho e sua “verdade” que já não é a mesma.

A
raiva nunca foi do outro, a raiva é pertencente àquele que a sente.

O
espelho narcísico se estilhaça e a bruxa perde seu poder sobre a
consciência do ego que assim libertado do velho padrão de existir,
participa da festa de seu reino, de sua psique.

Um
dia eles também ficarão velhos e todo o processo terá de ser
refeito e vivificado.

A
vida é dinâmica e em seu bojo traz a morte, nada mais natural.

É
por isso que a historia acaba com a frase dúbia em si mesma:


e eles foram felizes para sempre”.

Dúbia
porque o verbo “foram” remete ao passado e “para sempre”
remete ao futuro.

O
ego entrou no mundo caótico e selvagem do inconsciente de modo
solitário e a pé, tendo como guia o caçador, agora ele sai com
carruagens, cavalos, sete anões e um príncipe a acompanhá-lo para
um novo reino e reinado.

Nada
mal. Grande conquista.

O
acolhimento ao novo, ao que vem e ao que há de vir, é a beleza
vivenciada através da intensidade dos sentidos do corpo que se
encontra viva e desperta.

Como
falamos aqui apenas do animus, deixo a minha HOMENAGEM a anima
através desse poema:

EROS
E PSIQUE de Fernando Pessoa

Conta
a lenda que dormia

Uma
Princesa encantada

A
quem só despertaria

Um
Infante, que viria

De
além do muro da estrada.

Ele
tinha que, tentado,

Vencer
o mal e o bem,

Antes
que, já libertado,

Deixasse
o caminho errado

Por
o que à Princesa vem.

A
Princesa Adormecida,

Se
espera, dormindo espera,

Sonha
em morte a sua vida,

E
orna-lhe a fronte esquecida,

Verde,
uma grinalda de hera.

Longe
o Infante, esforçado,

Sem
saber que intuito tem,

Rompe
o caminho fadado,

Ele
dela é ignorado,

Ela
para ele é ninguém.

Mas
cada um cumpre o Destino

Ela
dormindo encantada,

Ele
buscando-a sem tino

Pelo
processo divino

Que
faz existir a estrada.

E,
se bem que seja obscuro

Tudo
pela estrada fora,

E
falso, ele vem seguro,

E
vencendo estrada e muro,

Chega
onde em sono ela mora,

E,
inda tonto do que houvera,

À
cabeça, em maresia,

Ergue
a mão, e encontra hera,

E
vê que ele mesmo era

A
Princesa que dormia.

E-mail:
sonialunardon@gmail.com

BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA

JUNG,
Carl Gustav – Psicogênese das Doenças Mentais – vol. III

Durand,
Gilbert – As estruturas antropológicas do imaginário – Ed.
Martins Fontes – 1ª edição – SP – 1997.

VON
FRANZ, Marie-Louise – Alquimia, Introdução ao Simbolismo e à
Psicologia – 1991 – Ed. Cultrix – São Paulo


ESTÉS, Clarissa Pinkola –
Contos dos Irmãos Grimm – Ed. Rocco – 1ª ed. – 2005 – RJ –
Rio de Janeiro

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