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JOÃO E MARIA – uma história de superação

Introdução

Os
contos são muito poderosos, eles entram em nossa mente através dos
sentimentos e emoções, oque equivale a dizer que não os capturamos
de modo racional, mas sim de maneira emocional através de nosso
pensamento primário, pensamento esse que antecedeu ao uso da razão
e que hoje lhe é concomitante.

Por
nos atingir de modo emocional tem o poder de curar feridas psíquicas;
de antecipar um dado conhecimento emocional que só teríamos após
alguma experiência prática do cotidiano; de salvaguardar nossa
mente das neuroses de nosso tempo; de exercitar o lado direito do
cérebro responsável pela imaginação e criatividade; de conseguir
fazer com que o Ego fique mais de acordo com os instintos através de
um diálogo imaginário; de nos fazer lembrar o que realmente tem
importância, ou seja, a afetividade, a solidariedade, a força para
execução e a alegria em fazer acontecer; e não menos importante,
de nos mostrar que são os órfãos que encontram o caminho para a
individuação.

O
que significa que nos auxilia a compreender que antes de trilhar
nosso próprio caminho teremos de nos separar psicologicamente das
pessoas e também da camisa de força das ideologias. Temos de
providenciar nossa orfandade.

Explicando que a separação
psicológica não significa deixar de amar, significa simplesmente
descobrir que cada um de nós é único, impar, uma personalidade
capaz de brotar todos os dias de suas próprias características
social e afetiva, de seus desejos, de sua sabedoria e de sua força.

A
separação psicológica que se faz em relação à participação
mística dos arquétipos familiares, sociais, políticos e
religiosos, não nos afasta do mundo, muito pelo contrário, nos faz
ainda mais inserido nele por nos capacitar a perceber a realidade por
detrás das relações arquetípicas, é mesmo um acordar depois de
um sono profundo mergulhado na inconsciência que os arquétipos,
antes de serem reconhecidos, nos amarra e conduz.

Dentro
da Psicologia Analítica, temos diversos autores que fazem a
interpretação psicológica dos contos de fadas. É claro que a
construção de um conto de fadas não primou e nem se esmerou para
trazer a luz seu significado psicológico. Nós, psicólogos
analíticos temos estudado e feito tais interpretações de acordo
com a sistemática de Carl Gustav Jung, o psiquiatra suíço que
elaborou tal teoria e viu, após estudos com seus pacientes e pelo
empirismo que as imagens trazem em si um significado psicológico.

De
modo que os sonhos são instrumentos profícuos para a análise de
indivíduos, e como o conto é uma construção coletiva é profícuo
em relação a sociedade e sua coletividade, bem como os filmes posto
que esses são “sonhos” assistidos por milhares de pessoas.

Importante
frisar que o inconsciente não é apenas pessoal, também é
coletivo. Existem padrões coletivos de pensamento e de ações tanto
conscientes quanto inconscientes.

Assim
como o sonho, um conto ou um filme possui várias facetas e
possibilidades de análise. O presente texto se prende a uma análise
psicológica que nem de longe estava no projeto daqueles que
inventaram o conto ou o filme. É tão somente uma maneira de ver o
conto, um olhar psicológico com base na Psicologia Analítica
Junguiana, de modo que peço a permissão para aqui buscar fazer tal
análise que, conscienciosamente, entendo que não há de se esgotar
através de minhas palavras, outros poderão ver aquilo que não vi e
ainda outros poderão refutar totalmente e, quem sabe, haverá aquele
que se debruçará sobre o texto e criticamente há de refletir.
Conto com a sua curiosidade.

Dada
tal exposição preliminar pertinente ao tema, passarei a contar o
conto e posteriormente, verificaremos o que conta o conto.

O
Conto de João e Maria

Este
conto remonta ao século 16 quando os camponeses se reuniam para
contar histórias e João e Maria possui um roteiro cruel devido à
fome e a miséria que assolava aquele tempo. Por outro lado, nessa
época não se fazia distinção entre adulto, adolescente e criança.
Somente a partir do século 18, onde se começa a distinguir entre
infância e vida adulta é que houve a preocupação de adaptar as
histórias para o público infantil, protagonizando assim, contos
mais açucarados e de final feliz.

Através
do tempo, as pessoas vão contando e acrescentando ou retirando
coisas do conto que assume várias versões de acordo com a época.
Aqui relato o conto que nos chegou depois de cinco séculos de sua
contação.

O
conto conta:

Era
uma vez, (e não era uma vez, porque essa história se desenrola num
tempo sem tempo), um lenhador e sua esposa moravam a beira de uma
floresta. E como estavam em meio à guerra, eles viviam muita
miséria. Tinham dois filhos, o João e a Maria.

As
crianças dormiam com o som do estomago a ronronar feito um gatinho
de tanta fome que os apertavam.

Os
pais acreditavam que as coisas fossem melhorar, porém, um dia em que
foi apanhar lenha na floresta, sofreu uma contusão e as coisas só
pioraram diante de sua invalidez.

A
mamãe e o papai se reuniram para verificar quais seriam suas
melhores alternativas diante de um destino tão miserável. Acontece
que elas não existiam.

Então
a mamãe falou para o papai:

Meu
velho, nossos filhos estão minguando dia a dia sem ter o que comer.
Penso que se eles ficarem na floresta poderá ter uma chance de vida,
pois aqui conosco é certeza que perecerão bem aqui diante de nossos
olhos.

O
marido, embora tenha ficado chocado com a ideia num primeiro momento,
em seguida pensou que talvez lá na floresta eles aprendessem a se
virar com raízes e pequenos animais ou ainda terem a sorte de
encontrar uma boa alma que pudesse alimentá-los.

Combinaram
então que na manhã seguinte, o papai iria levar as crianças para o
centro da floresta e ao se distraírem iria embora os deixando a sua
própria sorte.

Mas
o que eles não sabiam é que João sentindo frio e fome se levantara
da cama para procurar um pedaço de pão duro e acabou ouvindo todo o
plano.

Muito
triste, mas também muito esperto acordou sua irmã, lhe expôs o que
ouvira dos pais e propôs outro plano para enganá-los.

Quando
a manhã chegou encontrou João e Maria dispostos a seguirem o pai
até o meio da floresta. É que João havia coletado várias
pedrinhas que escondera em seus bolsos e conforme adentrava na
floresta, João ia marcando o caminho para a volta soltando uma
pedrinha aqui e ali em forma de trilha.

Com
a desculpa de ir logo ali para encontrar mais gravetos, o pai se
afastou e foi-se embora para casa deixando os garotos. A luz da lua
refletia nas pedrinhas e com isso foi fácil seguir a trilha de volta
a casa.

Não
demorou muito e os pais se assombraram ao ver entrando pela porta os
filhos que julgaram perdidos e abandonados.

A
noite chegou e os pais resolveram repetir o acontecido, mas dessa vez
iria ainda mais fundo na floresta.

Como
da outra vez, João escutou tudo, chamou a Maria e contou o que
ouvira. Ficaram bem, pois era só fazer como da primeira vez: marcar
o caminho na ida e voltar pela trilha das pedras.

No
entanto, dessa vez João e Maria acordaram mais tarde e não tiveram
tempo hábil para recolher as pedrinhas. João não comeu seu pão
duro da manhã e resolveu marcar a trilha com pedacinhos de pão.

Ah!
Que engano!

Um
pássaro em tempos de guerra, também sofre de fome e quando vê um
pedacinho de pão tira a barriga da miséria!

Ele
comeu a trilha!

Dessa
vez João e Maria não tiveram como voltar e já escurecia quando
João escutou o bater de asas de outro pássaro que ali sobrevoava.
Intuitivamente, João pensou que o pássaro parecia querer
indicar-lhes um caminho. João e Maria concordaram em segui-lo,
afinal quando se está perdido, qualquer sinal é um alento e uma
esperança.

Ao
seguirem o pássaro as crianças chegaram num casebre todo
arrumadinho e belo. Ficaram tão felizes!

E
essa felicidade só aumentou quando, ao chegarem bem pertinho,
perceberam que a casinha era feita das mais finas guloseimas.
Esfomeados como estavam tomaram um pedaço da parede açucarada e
comeram…

Quem
está comendo minha casa?” Lá de dentro uma voz velha esbravejou.

Assustados
e em choque ficaram ali parados enquanto a senhorinha abria a porta e
com um olhar matreiro os convidou a entrarem e se enfastiarem com um
banquete especialmente preparado para as perdidas crianças órfãs.

Na
sequência, a velhinha benevolente se revelou uma bruxa má. Prendeu
João numa gaiola e tornou Maria sua ajudante na lida da casa. Sempre
dava muita comida para ambos, pois seu intuito era o de que
engordassem para posteriormente deles se alimentar, bem assadinhos ou
cozidos.

Maria
que só chorava foi fazendo os trabalhos a ela designados. Até que
chegou um tempo em que parou com o choro e começou a pensar sobre
uma solução para se livrar de sua escravidão e do encarceramento
de seu irmão.

Todos
os dias a bruxa verificava se João estava gordinho e pronto para
servir de refeição. Pedia ao menino que lhe mostrasse o dedo, mas
ela tinha um problema de visão e como não enxergasse bem, João a
enganava sempre. Ao invés de lhe oferecer o dedo ele lhe oferecia um
dedo do pé de galinha, sobras de sua refeição.

Com
isso ela acreditava que o garoto ainda estava magricela. Percebendo,
porém, que Maria estava gordinha começou a duvidar do menino.
Entrou no quarto de sua cela com uma tocha e viu que ele a enganou,
imediatamente, falou para Maria ir buscar lenha porque já era hora
de comer as crianças.

Maria
foi buscar a lenha e na volta a bruxa pediu-lhe que acendesse o fogo
do fogão de barro. Maria, então, daquele seu jeito vulnerável e
meio bobo, disse que não saberia fazê-lo só restando à bruxa
ensinar-lhe antes.

Assim
que a bruxa se debruçou para atear o fogo na lenha, Maria deu-lhe um
imenso empurrão e fechou a porta do fogão de modo que até hoje a
gente sente um cheiro de bruxa no ar de vez em quando.

Depois,
correu até seu irmão e o libertou.

Ambos
comemoraram a libertação e com grande curiosidade foram explorar a
casa e arranjar alguma comida para a jornada de volta ao lar.

Para
sua surpresa, encontraram no centro da casa da bruxa um compartimento
cheinho de tesouros, lindas pérolas, jade, esmeraldas e rubis.
Pegaram algumas, não pegaram todas, e foram de volta para sua casa
agora com a satisfação de que pobreza jamais existiria, pois tinham
conquistado o caminho para a abundância.

Saíram
pela floresta e escolheram um caminho que logo foram reconhecendo. No
entanto, teriam de atravessar um rio de águas caudalosas, João e
Maria sentiram-se frustrados, pois Maria não sabia nadar e ele não
conseguiria carregá-la devido a correnteza.

Surgiu
então, uma pata com seus patinhos a nadar por ali. A patinha vendo a
dificuldade dos garotos se ofereceu para fazer a travessia de Maria.


do outro lado do rio, a trilha para casa foi muito fácil de
encontrar. Ao chegarem a casa foram bem recebidos pelos pais que
estavam com muitas saudades e temerosos pelo destino de ambos.

Toda
a casa se alegrou e devido aos esforços de João e Maria a
abundância se estabeleceu para sempre. A miséria foi afastada e a
cada vez que sentiam fome ou sede sabiam muito bem onde se saciar.

INTERPRETAÇÃO
ANALÍTICA:

Cada
uma das personagens e lugares é interpretada como sendo conteúdos
psíquicos e a jornada trata-se do caminho da individuação.

Para
fazer a análise, precisamos verificar o que cada personagem
significa bem como os lugares e os objetos que aparecem no conto.

Aqui
temos: o lenhador, sua esposa, João, Maria, o pássaro, a bruxa e
finalmente a pata.

Os
lugares são: a cabana de madeira, a floresta, a casa de doce, a cela
de João, o fogão da bruxa e o rio caudaloso.

Quanto
aos objetos temos as pedrinhas, as migalhas de pão, a lenha, os
doces, o pé de galinha, o fogão, o fogo e o tesouro.

O
conto se inicia com quatro personagens em condição de miséria,
tendo por isso que desfazer o quatérnio para no final retomá-lo
agora em condições de abundância.

De
maneira que as demais personagens e lugares fazem parte da jornada de
conhecimento de si mesmo concluindo-a em condições favoráveis. Se
no início temos uma pobreza de energia psíquica, através do
enfrentamento aos novos conteúdos, acabamos por ter uma psique forte
e saudável.

O
primeiro casal, que são os pais, representa um conteúdo que possui
primazia na psique e a dirige, este deverá ser substituído pelo
segundo casal depois de conquistarem sua riqueza. Assim, a direção
da psique e sua manutenção se completam com as energias psíquicas
masculina e feminina mais jovens, portanto mais intensas e com a
sabedoria de se atualizar a partir dos enfrentamentos com sua sombra
ou conteúdos desconhecidos pelo Ego.

No
início o Ego não está atrelado ao inconsciente e teme se perder na
floresta, depois o Ego se estabelece fortalecido com o aprendizado.
Descobre que conhecer seus conteúdos sombrios lhe agrega valores de
força e de transformação.

Usualmente
não nos mantemos próximos da floresta que significa o lugar dos
instintos e dos mistérios, o inconsciente, preferimos manter
distância em nossa selva de pedra e antes de lidarmos com nossa
sombra de modo reto e objetivo, preferimos apontar o sombrio no outro
e ou tomar diversas pílulas para garantir que os conteúdos
psíquicos fiquem inaudíveis pelo Ego.

Todavia,
o inconsciente não tolera o desrespeito e a indiferença. Quanto
mais nos escondemos e fugimos ou procuramos formulas paliativas para
despistar, mais os conteúdos psíquicos se alvoraçam e tomam seu
devido poder contra o ego.

Sempre
há de chegar aquele momento de trabalhar duro com os conteúdos
sombrios sem a preguiça de projetá-los ou simplesmente viver em
autoengano através de métodos
que
se vende como
cura
rápida.

Nesse
conto estamos numa cabana empobrecida já bem próxima à floresta.
Pode-se dizer que o ego encontrou algum obstáculo, talvez uma
catábase, que o lançou a terrível consciência de que terá de se
haver com seu desconhecido.

A
guerra que está acontecendo representa o atual caos psíquico em que
ideias e conteúdos se golpeiam sem se coadunar, sem acolher um ao
outro, sem acolher as diferenças que acontece em nossa própria
psique onde os desejos nos dividem em fragmentos opostos e
incongruentes. A guerra é a versão mais apropriada de que a psique
se encontra em caos devido suas próprias diferenças e falta de
benevolência e acolhimento para com sua natureza.

Enfim,
agora ele está de frente com sua floresta, seus instintos o
aguardam. Oportunizando que se estabeleça nova moral, nova ética,
nova visão de mundo e de si mesmo, sem preconceitos e sem
intolerâncias.

Num
primeiro momento o ego se faz de lenhador. Aquele que vai à floresta
apenas com a intenção de uso. Pensa em ir até lá e tirar aquilo
de que precisa sem estabelecer um vínculo qualitativo com o
inconsciente.

Por
mais que faça e trabalhe, sem comprometimento com o inconsciente,
permanece pobre, sem substância que o alimente de modo adequado.

Sua
casa, seu corpo, padece.

O
lenhador representa a energia psíquica masculina e a sua esposa, a
energia psíquica feminina. Seus filhos que formam outro casal
representa a possibilidade do novo ego em detrimento do velho e de
sua superada supremacia.

A
jornada de João e Maria é a jornada do desenvolvimento, de
transformação do velho ego para o novo.

A
par da miséria psíquica que sofre esse ego, sua casa, seu corpo,
seu espírito, a energia psíquica feminina aventa a possibilidade de
abandonar as crianças em meio à floresta e desse modo se inicia a
transformação do ego.


que o nível de insana pobreza está no auge, a saída encontrada foi
a do desespero. E quantas vezes os analisandos aparecem nos
consultórios psicológicos exatamente nessa condição? Não é de
se estranhar que a busca pela análise, o que requer empenho e muita
energia psíquica, só aconteça na fase do desespero, quando
alternativas paliativas de autoengano se esgotaram ou algo do
inconsciente sobreveio causando o maior susto no ego desavisado.

O
velho casal que deverá ser substituído pelo mais jovem ao final da
jornada, trama esse acontecimento. Ele não acontece de modo honesto.
Acontece de forma escamoteada. É como se o analisando estivesse
vindo ao consultório psicológico com segundas intenções,
esperando que tudo se ajeite simplesmente abandonando seus conteúdos
ali no setting psicológico. Brevemente ele percebe que não é bem
assim, que o conteúdo psíquico possui autonomia e que lhe pertence.
Que terá de assumir seu próprio processo de maneira honesta.

João,
o princípio masculino ativo nesse instante, mas ainda imaturo,
escuta a trama e em cumplicidade ao princípio feminino de sua
categoria, procura escapar de tal destino ao utilizar as pedrinhas
para marcar sua volta à casa, à condição já conhecida e
estabelecida.

As
pedrinhas que brilham ao clarão da lua simbolizam um resgate de
consciência do princípio da energia psíquica feminina. Esse garoto
conta com a percepção feminina para ir e vir. Essa é a primeira
conquista desse ego.

É
muito importante que saibamos ir e vir da floresta. Os instintos não
podem perder, mas também não podem ganhar. Ir e vir fortalece o ego
no sentido de que pode compor com a razão o seus impulsos mais
sombrios e inebriantes.

Na
segunda vez que adentram a floresta vão ainda mais longe. Esse é o
treino. A cada vez que vamos à floresta nos sentimos capacitados a
conhecer e desbravar mais e mais desse novo mundo outrora tão
desconhecido.

O
velho casal é ainda esteio para o novo casal. Sem a autorização do
ego, da consciência, nenhum desenvolvimento é possível. A pedra
precisa se abrir para ser tingida.

Dessa
vez, João espalha pelo caminho pedaços de pão oportunizando o
surgimento de um novo elemento, o pássaro.

O
pão é o alimento essencial e se relaciona com a aflição da
privação, com a preparação para a purificação, com a memória
das origens e com a vida ativa oposta à vida contemplativa.

Assim,
eles estão caminhando em um novo estágio de desenvolvimento. Após
conquistar a memória da percepção feminina que é subjetiva e
noturna, agora o ego conquista a sabedoria implícita no alimento
substancial que é o pão.

Em
grego a palavra pássaro foi sinônima de pressagio e de mensagem do
céu. No taoísmo significa leveza e liberação do peso terrestre.

A
composição pão e pássaro não o levam de volta à casa do antigo
ego obsoleto. Dessa vez, o pássaro que aparece na sequência os
conduz a casa energeticamente doce do centro da floresta.

O
novo ego está prestes a fazer contato com o Self. Esse mesmo Self
que é composto pelos opostos exigindo, portanto, que o ego
estabeleça seu atrelamento ao Self a partir da união dos opostos,
de sua libertação da dicotomia bem e mal, feio e bonito, branco e
preto, instinto e razão, etc.

Mas,
não é fácil se encontrar com o sombrio que mora em si mesmo. É um
processo que João e Maria na sequencia nos ensina.

Através
da leveza, ou melhor, depois de se desvencilhar de uma perspectiva de
peso, que aqui nesse caso seria mergulhar em depressão devido ao
abandono, João e Maria aproveitam a experiência que se apresenta no
aqui e agora. Com isso e com leveza, se encontram novamente
possuidores de uma casa, um corpo novinho em folha. E esse corpo,
esse telhado que os acolhe é feito de doce, o doce que sabemos ser
de grande efeito energético, mas que, no entanto, não traz a
substância necessária de vitaminas, é um valor energético vazio
por assim dizer.

Para
a aquisição de uma casa, um corpo mais fortalecido e saudável, se
faz necessário lidar com o sombrio que mora em nós. Açúcar,
pílulas e ou fuga para arquétipos ascensionais não vão resolver o
problema e nem mesmo se tornar dependente emocional de outro.

A
bruxa está ali e é com ela que deveremos buscar a solução.

E
como toda bruxa, ela conduz o ego representado aqui por João e
Maria, ao caminho da união dos opostos e consequentemente, ao Self.

Antes
de qualquer coisa, a bruxa, em todos os contos de fada, também
nesse, é aquela que age como guia para o desenvolvimento e
transformação.

A
bruxa tem seu significado na energia psíquica feminina como sendo
aquela que foi rejeitada pela consciência. Num mundo patriarcal como
o nosso é bem óbvio que a energia psíquica feminina tenha sido
reprimida e lançada às profundezas do inconsciente através do
processo de sua negação. Assim sendo, o conteúdo torna-se sombrio.

A
bruxa representa o poder gerador, seja ele bom ou mau. A bruxa está
sempre ligada a uma evolução fatal em direção a morte, à
transformação. Ela representa o excêntrico, o marginal e o
errático, uma variável não harmonizada com as leis universais,
servindo preponderantemente à evolução do indivíduo, antes é um
refazer e não um renascer de algo.

A
bruxa aparece para fazer lembrar sua potencia, lembrar-se de sua
distinção, ao mesmo tempo em que se encontra limitado pelo todo.

Como
todo arquétipo ela ameaça tomar por inteiro o indivíduo; comer o
novo casal representante do ego. Se resultar que ela vença, o ego
estará possuído pelo arquétipo e novamente sua distinção como
indivíduo não será alcançada.

Nesse
conto, a bruxa prende o João numa cela e faz de Maria sua escrava.

O
princípio masculino representado por João precisa ficar preso numa
cela. Por quê? Porque o princípio masculino é da ordem da razão e
com ela o ego poderia questionar e desvendar as verdades por detrás
das coisas, o que em nada beneficiaria o arquétipo da bruxa aqui
nesse caso. A cela o mantém suspenso de seus julgamentos lógicos e
diretos.

O
princípio feminino representado por Maria é mais propenso ao olhar
noturno, ou seja, possui a curiosidade em saber o que há por detrás
das coisas, não tem medo das sombras que é peculiar à sua visão
lunar. Prefere mesmo ir até lá e participar das cenas para então
distinguir uma coisa da outra.

Desse
modo, ela fica solta embora escravizada. Escravizada, mas aprendendo
sobre feixes de lenha, sobre cozinhar, sobre limpar a casa e,
sobretudo sobre partilhar com o irmão sua sabedoria, pois é dada à
Maria a tarefa de verificar periodicamente como estava João. Somente
vez ou outra a bruxa lá ia pessoalmente para observar se já estava
gordinho ou não.

O
feixe de lenha segundo Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, “é o
símbolo do composto humano transitório, que a sucessão da vida e
da morte ata e desata”. Ele estabelece uma aproximação entre o
fogo e o espírito. O feixe de lenha pode conduzir tanto à queima do
herege quanto a ascensão da santidade.

Assim
é que Maria apreende sobre os poderes do espírito, daquilo que a
sustenta em vida, seus humores e sua potência.

Maria
se apossa do poder do fogo e partilha com o irmão.

Concomitantemente
Maria absorve o conhecimento da sombra, o conhecimento da Bruxa, ao
cozinhar que significa obter o poder alquímico da transformação e
ao limpar a casa que, por sua vez, significa se desfazer do lixo, se
desfazer daquilo que carrega e que não tem validade e nem
importância por ser lixo e descartável. Livra-se do peso. Trazendo
mais leveza novamente.

Agora,
porém, já é tempo de somar a razão às percepções de sombra
recém-adquiridas.

Empurra
a bruxa para o fogo, eliminando o perigo sombrio que só foi possível
após conhecê-lo e dele se inteirar.

O
sombrio se transformou pelo fogo, como num batismo, só falta a água.

Libertado
de sua cela, João se junta a Maria para reconhecimento da casa como
um todo.

Visão
noturna e visão diurna trabalhando juntas descobrem o tesouro do
lado sombrio que era a bruxa bem no centro da casa. Identifica-se
aqui que ao unir os opostos, masculino e feminino e sombrio com
claridade o ego se torna atrelado ao Self, o centro de sua psique. A
voz sabida além de bem e de mau, de feio e bonito, branco e preto.

Se
antes o ego estava empobrecido e em guerra, agora está rico e a
guerra já não existe mais.

Ao
se dirigirem de volta à casa de seus pais, do ego pobre e velho, se
deparam com um riacho, mas como Maria não sabe nadar, João, por um
momento, fica em dúvida se conseguirão concluir sua aventura.

O
fato de o princípio feminino não saber nadar é curioso. Mas,
atentemos para o fato de que a energia psíquica feminina já é a
imaginação, de modo que nadar nas águas do inconsciente é próprio
do principio masculino que é a razão. Viver a imaginação sem que
haja a luz da razão é se perder em psicose e ou em processos
psicóticos outros.

Ambos
devem fazer a travessia, mas é a razão que deve lançar luz sobre o
tema e experiência.

Segue
que a pata vem em seu socorro e carrega Maria até a outra margem em
segurança.

A
pata é considerada um guia infalível, pois tanto na água quanto no
céu ela tem seu domínio.

A
pata e o pato costumam estar sempre junto, daí serem considerados
como símbolo de união entre os casais, de felicidade conjugal e
também de força vital.

Se
antes havia a bruxa para ameaçar o ego em seu caminho de
individuação podendo levá-lo a se identificar com arquétipos,
agora temos uma pata que vivifica a união dos opostos e a não
identificação com os arquétipos, sinalizando que o ego está em
desenvolvimento coerente para com sua individuação.

O
caminho de volta ao lar se faz e na sequencia, o novo ego depõe o
antigo, sendo então o novo responsável pela sua casa, pelo seu
corpo, pela sua psique e para isso conta com o tesouro conquistado. O
ego trouxe riqueza e sabe bem que pode voltar a buscar mais riquezas
em sua sabedoria que conquistou ao se atrelar ao Self, o sabido.

O
Self é um arquétipo maior, que retém em si mesmo toda a história
da humanidade, como se fosse um velho de 4,56 bilhões de anos.
Possui o registro de tudo aquilo que já foi e se nos acercarmos dele
podemos ouvir a voz do tempo em nossos sonhos, imagens, fantasias e
delírios, cabendo ao ego permanecer dentro do princípio de
realidade ao mesmo tempo em que usufrui de sua bilionária sabedoria
terráquea.

Bibliografia
recomendada:


A Vida Simbólica de Carl G. Jung


Contos de Fada Vividos de Hans Dieckmann


– A Interpretação dos Contos
de Fada de Marie-Louise Von Franz

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