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O ANDRÓGINO ACUTIPUPU – lenda brasileira


Conta-se
lá para as bandas do Sudeste do Brasil, que Acutipupu é uma criatura
que é ao mesmo tempo homem e mulher e que vivia na Serra do Japó, mas
como não existe uma serra com tal nome entende-se que é uma corruptela
do nome da serra de Japi localizada no Estado de São Paulo.

Quando
Acutipupu estava sob a forma de um homem fecundava as mulheres e estas
pariam meninos fortes e valentes, radiosos como o sol. Quando era corpo
de mulher, dava à luz a filhas mais belas que as estrelas.

E
assim foi que um dia nasceu Erem, filha de Acutipupu e do índio Uaiú,
que naquele momento estava impondo à região a lei de Jurupari, um filho
de Garaci, o Sol, que se revelou sábio e que veio ao mundo trazer novos
costumes e leis ao seu povo.

A menina Erem se
destacou pela sua beleza, ao desabrochar feito moça. Uaiú a desejou e
Erem fugiu para escapar do pai. Foi acolhida pela tribo chefiada por
Cancelri, moça e chefe se apaixonaram e se casaram.

Uaiú,
exasperado e sem intenção de abandonar seu objetivo declarou guerra a
Cancelri. Todos dessa tribo morreram, inclusive Erem.

Para sua tristeza, o andrógino Acutipupu perdeu sua filha para o cacique que fora seu par.

No
mito dos Iorubás na África e do chamado Novo Mundo que se inclui o
Brasil, encontra-se o Orixá Oxumaré do qual Acutipupu faz parte do mesmo
arquétipo. Oxumaré é a representação andrógina, também homem e mulher,
dos deuses africanos que honram o nosso país através da nossa origem
africana.

A belíssima filha de Acutipupu perdeu sua
vida em decorrência da guerra que seu pai fez contra seu próprio povo,
os índios. Tribo, lutando contra tribo, mas todos são índios do mesmo
modo.

O que essa lenda nos ensina, o que conta esse nosso conto¿

Em
primeiro lugar que o cacique é um líder que provoca a guerra, que além
de administrar o poder, deseja adquirir cada vez mais poder e não mede
esforços para isso, nem mesmo seus laços afetivos mais íntimos, nem
mesmo seus iguais tão humanos quanto ele é poupado de sua cobiça
desmedida. Poder, guerra, sangue e dor faz parte das ações do cacique.

Nessa
lenda não há menção ao outro líder da tribo que seria o Pajé, aquele
que ligado pela empatia ao seu povo, cria a beleza da amizade e da cura
espiritual para não dizer mental e desprover desse texto a condição
romântica por vezes tão requerida.

É muito fácil
reconhecer o cacique da tribo e todos os que desejam ser caciques, aliás
essa é a têmpera dos nossos tempos, todos revolucionários cobertos de
razão, da lógica do quebra- quebra, do discurso de paz e amor e,
invariavelmente, com sua própria cartilha repleta de leis e regras e
cada cartilha é a mais justa e a mais democrática.

A
liderança do pajé é discreta, no entanto, tem brilho próprio. Ilumina e
causa inveja nos caciques que vivem atrás de poder enquanto que o pajé
já o possui sem esforço algum.

Nessa nossa lenda, a
dona dessa beleza, dessa estrela radiante que provoca a desmesurada ação
de seu pai e também líder de sua tribo, é uma mulher. E quem morre
devido a ganancia é uma mulher. E quem se entristece pela perda de sua
criação é um andrógino que é homem e mulher.

Na
tradição oriental, sabia-se que a beleza e a cura caminhavam juntas e
que ambas eram aspectos do feminino. No mito nórdico, Freya a encarnação
da deusa, também representava a beleza e foi usada como moeda pelo deus
Vothan como pagamento para a construção de um templo onde ele mesmo
seria adorado.

O que se passou com a beleza em nossos
tempos¿ Por que se exigiu o seu sacrifício em troca do poder¿ Pelo que
nos conta esses contos, tanto a lenda brasileira de Acutipupu quanto
Freya em Vothan, o mundo patriarcal fugiu ao controle do próprio humano
devido a sua ganancia pelo poder e devido a isso sacrificou o feminino.

Às
vezes, ocorre um sentimento de quase censura quando se ousa falar da
beleza! No entanto, parece ser politicamente correto é promover e até
exaltar a feiura.

É praticamente impossível não
registrar na história de Acutipupu a queixa de que o feminino está
sofrendo de morte devido a cobiça e a luta pelo poder.

Os
caciques engendram a guerra, as divisões entre seu próprio povo, a
cobiça incestuosa porque não usam de limite para com sua selvageria
primária e desatino, enquanto isso a beleza e a cura procura se
esconder, fugir de ser violentada pelo seu próprio genitor político e
social, sua cultura que não lhe concede espaço para viver seu brilho e
transbordar sua cura pelo mundo afora.

O feminino está sendo violentado, seja no corpo de um homem seja no corpo de uma mulher.
Pelo que consta até agora, Acutipupu continua em luto pela sua filha estrela radiante.

Lunardon Vaz

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