“É indispensável que em cada indivíduo se produza um
desmoronamento, que se dissolva o que existe e se faça uma renovação sem
impô-la ao próximo sob o manto farisaico do amor cristão ou do senso de responsabilidade
social – ou o que quer que seja para disfarçar as necessidades pessoais e
inconscientes de poder”. C.J.JUNG
O desejo de poder, no sentido de se apropriar de alguém ou de uma nação
se encontra no bojo da especie humana. O mitologema do deus nórdico Votan
expressa esse instinto e até mesmo a sua possibilidade de transformação quando
dele nos tornamos consciente.
Tanto ideologias religiosas quanto ideologias politicas estão imbricadas
no mitologema do poder que nos leva ao comportamento grupal desmedido devido ao
seu caráter instintual.
O compositor alemão Richard Wagner compôs entre 1848 a 1874 um ciclo de
quatro óperas épicas intituladas O Anel do Nibelungo cujo principal personagem
é o deus nórdico Votan em referência a esse instinto desmedido.
O exame desse nosso legado mitológico pode ser estarrecedor ao verificar
que ele se traduz numa metáfora do que se apresenta em nosso tempo histórico e
atual.
Na ópera o anão Alberich furta o ouro alojado no fundo do Rio Reno e
guardado pelas assim chamadas donzelas do Reno e com o ouro forja o Anel do
Poder que passa a ser cobiçado por todos. Quem o possui se converte em alguém
que destrói coisas e pessoas para continuar a possui-lo.
Alberich representa uma potência que embora madura, não alcançou o reino
das alturas. Nos contos e nos mitos, representa a celebração da matéria, do
corpo em si poderoso em ser capaz e não em corrupção do poder.
Note que esse instinto, furta o ouro da Terra, do feminino, enganando as
mulheres que o protegiam. Aqueles e aquelas que usam o anel do poder forjado
com o ouro do feminino são os mesmos e as mesmas que dela escarnecem e
destroem.
O deus Votan carrega junto de si um cajado todo cunhado com as
leis que ele mesmo constituiu e ai daquele ou daquela que não o obedece, com
certeza, encontra sua fúria e destruição.
Votan contratou dois gigantes para lhe construir um templo sagrado no
qual ele mesmo seria adorado. Como forma de pagamento aos construtores entregou
a deusa Freya aos gigantes. A deusa Freya é a deusa da beleza, do amor e da
juventude e foi assim feita de moeda de troca pelo poderoso e autoritário deus.
O preço a pagar é a destituição do amor, da leveza e harmonia que nos
traz a beleza e da intensidade de vida que nos faz jovens em qualquer tempo
quando não somos seduzidos pelo mitologema de Votan.
Votan é o deus dos raios e dos trovões, provocando clima por vezes
aterrador e é também o deus dos disfarces. Se disfarçou de mendigo e clamou
pelo espírito da Terra, a deusa Herda.
Gritou: “Herda, levanta-te do sono do conhecimento e venha ter comigo!”
Significando que Herda deveria deixar seus conhecimentos e ir para ele
apenas com a emoção. Esse é um grande alerta: as pessoas não devem se entregar
somente pela emoção, não devendo jamais abandonar seus conhecimentos para
atender aquele ou aquela que se faz de mendigo. A pessoa disfarçada de vitima
sempre esconde um algoz.
Na sequência, a Deusa da Terra se levanta e ao chegar próxima a ele, Votan,
com escárnio lhe diz: “Agora volte a dormir”.
Votan só pretendia saber se ele mantinha poder sobre ela ou não.
A fúria do deus Votan, na conquista de poder, destrói pessoas, nações e
sendo ele o deus das intempéries, modifica o clima por onde passa fazendo
estragos e tornando o lugar pesado. Onde quer que esteja o deus Votan
entendemos que temos de “pisar em ovos” e agir com cautela para que o céu não
nos caia sobre a cabeça. Conta o mito que para aplacar sua fúria, existe apenas
uma solução: sacrificar o cordeiro!
O cordeiro é símbolo do amor inocente.
De modo que para nos livrarmos de um Votan devemos sacrificar o
cordeiro, sacrificar o amor que por ele sentimos, dizer em alto e bom som “eu
tenho amor por você, mas NÃO lhe dou!”
Vai doer e sangrar, mas é a única solução. Pois que todos os sentimentos
que lhe entregamos só faz torná-lo ainda mais furioso e altivo.
A regra é o poder ao invés do amor e atitudes com objetivos e interesses
próprios. Filhos e filhas ou se sujeitam à sua aprovação ou são rejeitados,
punidos e ignorados.
Esse é o retrato de nosso legado psicológico dessa cultura na qual Votan
predomina.
Precisamos desmoronar, dissolver o que existe, encarar esse instinto
primário e torná-lo sintonizado com o amor que também nos habita. Afinal, não
nos encontramos mais nas cavernas e nem na savana onde éramos o mais frágil.
Hoje somos nós o maior dos predadores, temos o poder da transformação em nosso
anel.
02.03.2020
Lunardon Vaz
