Yara, ou Uiara, é uma entidade do folclore brasileiro da região da Amazônia e possui uma beleza fascinante.
Por ser uma sereia, enfeitiça os homens facilmente por ter a metade superior de seu corpo no formato de uma linda e sedutora mulher. Já a parte inferior de seu corpo, em formato de peixe, não é muito notada por estar submersa em água. Está escondida, talvez possamos acrescentar que esteja inconsciente. Dizem que não há homem que resista à sua beleza e ao seu mágico cantar.
Deitada sobre a branca areia do igarapé, uma linda tapuia canta à sombra dos jauaris, sacudindo os longos e negros cabelos, tão negros como seus grandes olhos.
As flores lilases do mururé formam uma grinalda sobre sua fronte que faz sobressair o sorriso provocador que ondula os lábios finos e rosados.
Canta, cantando o exílio, que os ecos repetem pela floresta e que, quando chega a noite, ressoam nas águas do gigante dos rios.
Ela canta e o rapaz a ouve; porém, comovido, foge, repetindo:
“É bela, porém é a morte… é a Yara.”
De repente, um canto o surpreende. Uma cabeça sai fora d’água. Seu sorriso e sua beleza o ofuscam. Ele a contempla, não presta atenção em mais nada senão ao bater de seu coração. Engolfado em seus pensamentos, deixa o barco ir embora, não despertando senão quando sente sobre a fronte a brisa fresca do Amazonas.
Despertou muito tarde. A tristeza apoderou-se de sua alegria. O trabalho tornou-se um martírio, a família, uma opressão. As águas, só as águas o chamam. Só a solidão dos igarapés o encanta.
Foi pego pela Yara.
O coração salta-lhe no peito, porém a recomendação de sua mãe veio-lhe à memória:
“Taíra, não te deixes seduzir pela Yara, foge de seus braços. Ela é a morte.”
A noite cobre o espaço e, mais triste do que nunca, volta o rapaz em luta com o coração e com os conselhos maternos.
Assim passam-se os dias, já fugindo dos amigos e deixando a pesca em abandono.
Mais tarde, apareceu o seu corpo nas águas, com os lábios dilacerados pelos beijos da sereia, que já estava lá, entoando sua canção mágica novamente para outros ouvidos.
Yara vive nas águas, significando, em termos psicológicos, que sua sedução passa pelo conceito de sentimento oceânico. Esse conceito consiste numa sensação de ‘eternidade’, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras.
Para Freud, no entanto, em seu ensaio Mal-Estar na Civilização, esse sentimento é originário do desenvolvimento do ego.
Quando a criança é recém-nascida, ainda é incapaz de distinguir o seu Eu do mundo externo. Ela “ainda não é” ou, de outro ponto de vista, quem não existe é o mundo externo. Ela é tudo o que existe, incluindo o mundo externo. É um sentimento de vínculo indissolúvel.
Somente com o tempo ela aprende a fazer esta distinção entre seu ego (Eu) e o mundo externo.
Freud supõe, então, que este sentimento do ego primário, onde ele ainda era indistintamente vinculado ao mundo externo, persista em maior ou menor grau entre os diferentes indivíduos. Isso justificaria este sentimento oceânico e a busca posterior por vivenciar tal reminiscência e, portanto, sentir novamente a profunda unidade com o todo.
A pessoa sereia possui um corpo dividido. Na parte superior, mostra-se com vaidade e muito charme. Já na parte inferior, que simboliza sua sexualidade, está tão indiferenciada quanto um peixe que possui sangue frio. Isso significa que não está suficientemente madura para viver sua sexualidade e afetividade. Está, sim, regredida numa indiferenciação própria dos seus tempos de bebê.
Isso explica sua vulnerabilidade, seu egoísmo, suas birras, seu descontrole emocional – ora intenso num extremo, ora intenso em outro extremo.
Usualmente, o par amoroso, após ser seduzido, acaba sufocando sua personalidade em prol de um relacionamento mais comedido. Parece um eterno pisar em ovos, indo sempre com muito cuidado para não ocorrerem explosões. Dessa forma, a sereia afogou seu par.
A pessoa indiferenciada está regredida e, corriqueiramente, se instala fortemente na vida de alguém para dominá-lo e explorá-lo com o intuito de preencher seu próprio vazio. O que, obviamente, jamais será preenchido pelo outro, causando mais aborrecimento, maior irascibilidade, mais descontentamento e mais e mais exigências.
As gentes sereias exercem grande atração, mas não conseguem atender à demanda do afeto, fazendo uma troca justa. Procuram, então, se vingar, afundando o outro em alguma situação em que sua birra possa acessar, controlar e manipular.
Tenham muito cuidado com o canto da Sereia!
Sugiro um filme que mostra bem essa condição de sereia:
Um Amor de Swann (1984), baseado na sequência inédita de sete volumes de Marcel Proust.